Uma análise recente do CDC (Centers for Disease Control and Prevention) americano mostrou que mais de 10 mil crianças recebem medicamentos psicoestimulantes, como Ritalina. Estimativas sugerem que cerca de 8% das crianças americanas entre 6 e 17 anos foram medicadas por problemas comportamentais ou emocionais entre 2011 e 2012. O CDC descreve um aumento de 5 vezes quando comparamos crianças nas décadas de 80 e 90 com as de 2007-2010. Além disso, 1,3% das crianças tomam antidepressivos. Em crianças menores que 5 anos, o número de prescrições psicotrópicas chega a 1%. Esses números alarmantes chamaram a atenção da mídia, que tem reportado a situação como um surto de tratamento exagerado. A interpretação mais óbvia: crianças com problemas emocionais e comportamentais estão sendo medicadas por médicos que estão muito ocupados e sem tempo de oferecer terapias extremamente caras, a pedido de pais, também muito ocupados para manter um ambiente saudável em casa. De quebra, culpa-se a escola, que não oferece as condições e atividades ideais para essas crianças. Por fim, culpa-se a indústria farmacêutica, cujo interesse é vender mais remédios em busca de lucros cada vez maiores. Pode até parecer uma justificativa razoável de primeira, mas tem algo aí que me incomoda. Primeiro, culpar os pais é fácil, mas a realidade é que a maioria resiste em medicar os filhos e prefere tentar algo alternativo. O argumento das escolas também é fraco, pois a maior parte dessas crianças sendo medicadas está apenas começando a vida acadêmica. Quanto às indústrias farmacêuticas, o lucro delas tem, na verdade, diminuído nos últimos anos no mercado americano. Então de quem é a culpa? Talvez de ninguém. Uma visão alternativa seria pensar que não existe um surto de crianças medicadas sem necessidade e sim um aumento no número de crianças doentes. É lógico imaginar que se detectarmos um aumento no tratamento de diabetes em crianças, jamais culparíamos as famílias ou outros profissionais. Estaríamos a nos perguntar o porquê do aumento da diabetes em crianças. Entendo quem duvide que o número de crianças com problemas emocionais e comportamentais esteja realmente aumentando, com uma aceleração mais dramática nos últimos anos, afinal não temos marcadores claros pra isso. O diagnóstico nesse caso ainda é muito subjetivo. O que um pai ou médico considera um garoto superativo, outro pode considerá-lo enérgico e cheio de vitalidade. O contexto é importante. Mas, mesmo assim, esse argumento não elimina a chance de que doenças emocionais e comportamentais estejam realmente atingindo mais as crianças. Uma explicação plausível são os fatores ambientais que, em contato com uma predisposição ou susceptibilidade genética, favoreça o surgimento dos sintomas. Ainda essa semana, um trabalho da universidade de Rochester nos EUA, mostrou que a exposição à poluição no ar, produz alterações neurológicas significativas no cérebro de cobaias, semelhantes a aquelas que são encontradas em humanos com autismo e esquizofrenia. Se o aumento do número de crianças afetadas estiver realmente correto, é possível que muitos estejam sofrendo com a falta, não excesso, de medicamentos.
Em tempo, nota do neuropediatriabh: O aumento no numero de diagnósticos se deve, em minha opinião, sobretudo, a maior cobrança de rendimento na aprendizagem escolar, no comportamento e no desenvolvimento geral da criança do mundo contemporâneo. A sociedade como um todo, os pais e as escolas em particular, não toleram mais dificuldades ou atrasos, não tem tempo nem paciência para tal. A competição e a cobrança por produtividade do mundo adulto já atormentavam os adolescentes nas décadas passadas e agora chegaram à infância. Porém, é importante ressaltar que, essa discussão (fundamental e que deve ser feita por todos) sobre os rumos da infância não podem servir para os pais se negarem a receber o diagnóstico ou a tratar seu filho. Colocar a culpa no mundo atual, na falta de apoio da mãe, na cobrança excessiva da escola ou da professora não resolverá os problemas de comportamento e aprendizagem do seu filho.