domingo, 22 de junho de 2014

Excesso de medicação em crianças?

Texto retirado do Blog do G1, Espiral, do Alysson Muotri

Uma análise recente do CDC (Centers for Disease Control and Prevention) americano mostrou que mais de 10 mil crianças recebem medicamentos psicoestimulantes, como Ritalina. Estimativas sugerem que cerca de 8% das crianças americanas entre 6 e 17 anos foram medicadas por problemas comportamentais ou emocionais entre 2011 e 2012. O CDC descreve um aumento de 5 vezes quando comparamos crianças nas décadas de 80 e 90 com as de 2007-2010. Além disso, 1,3% das crianças tomam antidepressivos. Em crianças menores que 5 anos, o número de prescrições psicotrópicas chega a 1%.                                                                                                                                        Esses números alarmantes chamaram a atenção da mídia, que tem reportado a situação como um surto de tratamento exagerado. A interpretação mais óbvia: crianças com problemas emocionais e comportamentais estão sendo medicadas por médicos que estão muito ocupados e sem tempo de oferecer terapias extremamente caras, a pedido de pais, também muito ocupados para manter um ambiente saudável em casa. De quebra, culpa-se a escola, que não oferece as condições e atividades ideais para essas crianças. Por fim, culpa-se a indústria farmacêutica, cujo interesse é vender mais remédios em busca de lucros cada vez maiores.                                                                                Pode até parecer uma justificativa razoável de primeira, mas tem algo aí que me incomoda. Primeiro, culpar os pais é fácil, mas a realidade é que a maioria resiste em medicar os filhos e prefere tentar algo alternativo. O argumento das escolas também é fraco, pois a maior parte dessas crianças sendo medicadas está apenas começando a vida acadêmica. Quanto às indústrias farmacêuticas, o lucro delas tem, na verdade, diminuído nos últimos anos no mercado americano. Então de quem é a culpa? Talvez de ninguém.                                                                                                                              Uma visão alternativa seria pensar que não existe um surto de crianças medicadas sem necessidade e sim um aumento no número de crianças doentes. É lógico imaginar que se detectarmos um aumento no tratamento de diabetes em crianças, jamais culparíamos as famílias ou outros profissionais. Estaríamos a nos perguntar o porquê do aumento da diabetes em crianças. Entendo quem duvide que o número de crianças com problemas emocionais e comportamentais esteja realmente aumentando, com uma aceleração mais dramática nos últimos anos, afinal não temos marcadores claros pra isso. O diagnóstico nesse caso ainda é muito subjetivo. O que um pai ou médico considera um garoto superativo, outro pode considerá-lo enérgico e cheio de vitalidade. O contexto é importante.            Mas, mesmo assim, esse argumento não elimina a chance de que doenças emocionais e comportamentais estejam realmente atingindo mais as crianças. Uma explicação plausível são os fatores ambientais que, em contato com uma predisposição ou susceptibilidade genética, favoreça o surgimento dos sintomas. Ainda essa semana, um trabalho da universidade de Rochester nos EUA, mostrou que a exposição à poluição no ar, produz alterações neurológicas significativas no cérebro de cobaias, semelhantes a aquelas que são encontradas em humanos com autismo e esquizofrenia. Se o aumento do número de crianças afetadas estiver realmente correto, é possível que muitos estejam sofrendo com a falta, não excesso, de medicamentos.
Em tempo, nota do neuropediatriabh:                                                                                              O aumento no numero de diagnósticos se deve, em minha opinião, sobretudo, a maior cobrança de rendimento na aprendizagem escolar, no comportamento e no desenvolvimento geral da criança do mundo contemporâneo. A sociedade como um todo,  os pais e as escolas em particular, não toleram mais dificuldades ou atrasos, não tem tempo nem paciência para tal. A competição e a cobrança por produtividade do mundo adulto já atormentavam os adolescentes nas décadas passadas e agora chegaram à infância.      Porém, é importante ressaltar que, essa discussão (fundamental e que deve ser feita por todos) sobre os rumos da infância não podem servir para os pais se negarem a receber o diagnóstico ou a tratar seu filho. Colocar a culpa no mundo atual, na falta de apoio da mãe, na cobrança excessiva da escola ou da professora não resolverá os problemas de comportamento e aprendizagem do seu filho.