Por Marta Medeiros
Revista Época - 28.07.11
Foram os piores anos da minha vida.” A frase ainda é dita com
sofrimento pela estudante carioca Chanel de Andrade Rodrigues, de 18
anos. Ela está no 1o ano da faculdade de artes, mas não esquece o
período em que estudou no Santo Agostinho, do Rio de Janeiro, um dos
colégios mais tradicionais e bem-conceituados do país. Do 7o ano do
ensino fundamental ao 1o ano do ensino médio, passou seus dias perdida
entre aulas que não acompanhava, um enorme volume de conteúdos para
memorizar, provas difíceis, notas baixas e um séquito de professores
particulares a cada final de ano letivo. Na escola, não gostava de sair
para o recreio e não comia nada. Em casa, compensava a ansiedade comendo
demais. Na escola anterior, menos rígida, onde tirava boas notas,
costumava nadar e fazer aulas de dança. No Santo Agostinho, evitava as
aulas de educação física. Chanel entrou em depressão e engordou 20
quilos.
A mãe tentou convencê-la a fazer terapia, mas ela
se recusava. “Eu só queria ser invisível”, afirma. “Odiava a
competitividade que estava sempre no ar.” Só depois que Chanel foi
reprovada, no 1o ano, sua mãe decidiu trocá-la de escola. (Procurado por
ÉPOCA, o Santo Agostinho não respondeu aos pedidos de entrevista.) O
caso de Chanel é apenas um entre centenas que revelam uma realidade
incômoda: o custo emocional alto – muitas vezes altíssimo – do modelo de
eficiência adotado naquelas escolas que exigem alto desempenho dos
alunos e garantem todo ano boas colocações nos melhores vestibulares.
Consideradas
as melhores do país, quase sempre campeãs nas provas nacionais de
avaliação, as escolas de ensino tradicional representam, na mente de
muitos pais, uma esperança de sucesso para a vida dos filhos num mercado
de trabalho competitivo. Apesar de seus resultados inquestionáveis e da
procura crescente por escolas desse tipo, esse modelo agora começa a
ser mais e mais questionado por seus efeitos colaterais.
O
ensino tradicional surgiu na Europa do século XVIII como um modelo em
que os alunos são ensinados e avaliados de forma padronizada. Ele se
inspira na ideia de que a mente das crianças é uma tabula rasa, um
espaço em branco sobre o qual os diversos conteúdos – gramática,
matemática, ciências, história etc. – devem ser inscritos seguindo um
método rigoroso de exposição e avaliação. Mais do que qualquer outra
aptidão, valoriza o acúmulo de conhecimento: quanto mais fatos e
fórmulas o aluno aprende, mais bem avaliado ele é.
Há,
ainda, uma forte pressão por desempenho nas provas e um grande volume de
conteúdo a estudar. As escolas tradicionais também costumam ser mais
rígidas em regras de comportamento, como respeito ao horário, frequência
às aulas, uso de uniforme e atitude no recreio. Apesar de ter
incorporado conceitos pedagógicos mais modernos, a essência do modelo
tradicional de ensino permanece a mesma – e a educação tradicional está
em alta no mundo, com filas de espera para matrículas e salas
abarrotadas de alunos.
A grande procura por uma vaga numa
dessas escolas se explica pelo desempenho acima da média de seus
alunos. No Brasil, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que
classifica as escolas públicas e particulares a partir das notas tiradas
numa prova feita pelos alunos, é decisivo para a família na hora de
escolher onde matricular seus filhos. Há anos, os colégios mais
tradicionais e rígidos ocupam o topo da lista. “É comum hoje em dia pais
e mães compararem as posições das instituições em que seus filhos
estudam. Se os resultados das escolas não são bons, bate o sentimento de
que se está fazendo algo errado”, afirma Quézia Bombonato, presidente
da Associação Brasileira de Psicopedagogia.
Em Vinhedo, no interior de São Paulo, uma escola aberta em 2001
mostra essa tendência. O Colégio de Vinhedo, que busca alunos de classe
média alta, reproduz uma escola tradicional europeia. Os alunos usam
uniformes formais, os professores vestem ternos e tailleurs. A própria
decoração da escola parece de outro tempo – embora, dentro da sala de
aula, haja lousas interativas, câmeras e laptops para cada aluno. Há
ênfase no conteúdo e na disciplina. “Nossa ideia é resgatar valores que
são esquecidos”, diz o diretor, Eduardo Cumone. “Também temos uma carga
horária maior, para que haja melhores resultados.” A proposta da escola
encontra eco nos pais. A procura triplicou nos últimos cinco anos. Em
2001, havia uma única turma por série; em 2012, haverá duas ou três.
Os
rankings de avaliação também puxam a educação para o lado mais rígido
em outros países. “Nos Estados Unidos, está havendo um retorno à
tradição, amparado na crença de que pontos na competição internacional
são importantes”, diz o psicólogo americano Howard Gardner, criador da
Teoria das Inteligências Múltiplas, que propõe vários tipos de
inteligência além daquela medida por testes de Q.I. Na Europa, acontece o
mesmo. O Reino Unido é um bom exemplo. No fim de 2010, a Secretaria de
Educação anunciou uma reforma no ensino que inclui o “retorno aos
valores tradicionais”: mais conteúdo, mais disciplina – e até a
obrigatoriedade de roupas s mais formais na rede pública, com aventais
para as meninas e terno e gravata para os meninos. No anúncio, o
secretário Michael Gove mostrou sua preocupação com a queda do país nos
rankings mundiais de educação. “Vamos voltar ao topo”, disse.
O ensino tradicional ganhou ainda mais adeptos recentemente com o
lançamento do livro Grito de guerra da mãe tigre. Nele, a advogada
sino-americana Amy Chua relata sua experiência na criação de duas filhas
com rigidez e exigências que beiravam o absurdo. Ambas eram proibidas
de ficar abaixo do 1o lugar na classe e tinham de realizar atividades
extracurriculares dificílimas escolhidas pela mãe – uma se tornou exímia
violinista e a outra pianista. Pela defesa desses padrões quase
marciais de ensino, Amy chegou a ser ameaçada de morte na internet. Mas
seu livro entrou rapidamente na lista dos mais vendidos nos Estados
Unidos. Isso expõe o medo de toda a nação de se ver rebaixada nas listas
internacionais de melhores alunos.
Para quem consegue
seguir em frente e encarar tantas exigências, o ensino tradicional pode
dar certo. Giulianna Freitas, de 12 anos, cursa o 7o ano do colégio
Dante Alighieri, um dos mais antigos e tradicionais de São Paulo. Está
lá desde os 3 anos. Ela diz que adora. Afirma tirar de letra as regras
rígidas da escola, entre elas uniforme impecável e as restrições ao
contato afetivo entre meninas e meninos. “Não me vejo em outro colégio”,
diz. Sua mãe, a dentista Ana Claudia Garcia de Freitas, afirma ter
escolhido o Dante pelos ótimos laboratórios e pelas bibliotecas. E
também por ter sido sua escola – e a de sua mãe. “É uma tradição na
família.”
Mas os educadores têm visto com ceticismo cada
vez maior o sucesso desse modelo. Eles alertam sobre vários problemas
que decorrem da estratégia convencional, baseada na combinação de
competitividade e pressão por notas. A primeira limitação é a seleção
natural que põe em prática. Esses colégios selecionam os alunos na hora
da matrícula – com os famosos “vestibulinhos” – e, depois disso, acabam
selecionando, pelo grau de dificuldade em acompanhar o ritmo, aqueles
que ficam. “Valorizamos o conteúdo e somos inflexíveis em nossa
filosofia de foco no professor, cultura clássica e disciplina”, diz
Maria Elisa Penna Forte, supervisora do colégio carioca São Bento, que
só aceita meninos e foi quatro vezes campeão nacional do Enem. “Os pais
querem que os filhos se saiam bem aqui, mas, em muitos casos, isso não
acontece. Aí o melhor é mudar de escola.”
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Um espaço para informação e troca de idéias sobre os problemas neurológicos mais comuns na infância. Aqui, serão abordados os problemas mais comuns do dia-a-dia de um neuropediatra, de forma a orientar os pais e cuidadores. Alerta: o blog é voltado para os pacientes da Clínica e seus pais, e não tem o intuito de orientar pais que estão navegando na internet a procura de diagnósticos ou tratamentos para seus filhos. Para isso, procure o seu médico.